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AXÉ ODARA 2018

Fazendo acarajé

Fonte: Cauim Benfica (2018)
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   O “Projeto Pedagógico Axé Odara” teve início nas aulas de Geografia no ano letivo de 2018, realizando estudos de temáticas étnico-raciais, e também, uma análise crítica das/os educandas/os sobre as vivências negras nas periferias de Porto Seguro.

   Dessa forma, para qualificar os estudos das relações étnico-raciais, e assim, promover práticas antirracistas, no “3º ano A”, incluí estudos que transitassem pelo “Racismo e Sexismo na Cultura Brasileira” de Lélia Gonzales (1984). Promovi um ciclo de diálogos, no qual as/os alunas/os compararam os temas do texto com questões do seu cotidiano, tornando a aprendizagem mais significativa. No dia da culminância, 19 de novembro de 2018, o CECB serviu acarajé no horário do lanche. Para isso, contou-se com a colaboração do vigilante Ubaldo, que é Adventista do Sétimo Dia, mas fez questão de fazer este alimento.

   Além de fazer o alimento, o vigilante Ubaldo fez questão de afirmar que o nome do alimento era Acarajé e que tinha a sua origem ligada a cultura negra e as religiões de Matriz Africana. E ainda, ressaltou que o mais importante naquele momento era levar uma mensagem de respeito, amor e combate ao racismo religioso.

Apresentação sobre Martin Luther King Jr. 

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Seguindo a perspectiva de um evangelho que luta pela inclusão e direitos de um grupo explorado historicamente, o “1º ano B”, as/os alunas/os puderam explanar que Martin Luther King foi um dos grandes protagonistas na luta pelos direitos civis dos negros nos Estados Unidos. King tinha uma grande capacidade para organizar discursos e tocar corações e mentes antirracistas. As manifestações em que King era o líder eram pacíficas e, por essas características, em 1964 recebeu o prêmio Nobel da Paz.

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As turmas dos 1º, 2º e 3º anos do Ensino Médio assistirão a uma apresentação do 1º ano B sobre Martin Luther King Jr. A atividade ocorrerá das 7h30min até às 9h10min, na primeira e segunda aula. Recursos utilizados: cartolina, hidrocor, tesoura, recorte de jornais, revistas e impressões da internet. Espera-se que as/os educandas/os percebam a importância dos direitos civis e o respeito às diferenças religiosas.
Cauim Benfica 
Projeto Pedagógico Axé Odara
19 nov 2018 

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                                           Fonte: Cauim Benfica (2018)

No Projeto Axé Odara, referente ao novembro negro, eu irei abordar o quilombo, seus aspectos sociais, culturais e simbólicos presentes na organização quilombola. E também sobre as comunidades remanescentes de quilombos. Tudo o que aconteceu com os africanos escravizados, seu convívio, luta e sua perseverança pela liberdade. 
Antônio Davy

1° B

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   Nos diálogos e debates que se sucederam à atuação de Martin Luther King, a parte mais marcante foi a comparação do discurso de inclusão e direitos iguais de King e o discurso de exclusão de algumas igrejas protestantes neopentecostais. Se por um lado King prega união e respeito entre todas/os, por outro lado, no entanto, algumas igrejas protestantes neopentecostais fazem discurso de ódio contra grupos subalternizados, e ainda simulam armas com as mãos em cultos religiosos para se posicionarem politicamente ao lado do atual presidente do Brasil o Jair Messias Bolsonaro, que possui histórico de discursos de apoio a tortura e a ditadura militar no país.

   

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Sala temática sobre a Cultura Pataxó

As turmas dos 1º, 2º e 3º anos do Ensino Médio visitarão a uma sala temática do 2º ano A sobre a “Pluralidade Étnico-Cultural Indígena” no Brasil. A atividade ocorrerá das 9h10min até às 10h, na terceira aula. Recursos utilizados: pinturas pataxós, arco e flecha, adereços pataxós e textos de intelectuais indígenas. Espera-se que as/os educandas/os percebam a pluridiversidade das etnias indígenas e deixem de apreender indígenas como sujeitos cristalizados no século XVI. 
Cauim Benfica 
Projeto Pedagógico Axé Odara
19 nov 2018 

A turma do “2º ano A” organizou exposições e explanações influenciadas pela leitura e debate do artigo “A pluralidade étnico-cultural indígena no Brasil: o que a escola tem a ver com isso?”. Texto esse que tem como um de seus autores, o professor indígena, Edson Kaiapó (2015). 

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Fonte: Cauim Benfica(2018)

    A turma explicou a temática diversidade étnico-cultural indígena no Brasil, e abordou que o termo índio é algo muito genérico, não explica as múltiplas etnias originárias no Brasil, e que a escola deve passar a compreensão que as etnias originárias não podem ser entendidas como uma massa cinzenta, igual e sem diferenças, e também não pode ser compreendida como um povo cristalizado no século XVI. Os Pataxós, Tupis, Aimorés, Tupinambás, entre outros, passaram por transformações culturais, miscigenações e contatos com povos da Europa e da África.

   Além dos diálogos sobre diversidade cultural indígena, as/os educandas/os fizeram exposições da Cultura Pataxó: arco e flecha, colares, adereços, culinária, Maracá e pinturas da cultura Pataxó na “Costa da Invasão”. Contextualizaram a história da Aldeia Pataxó Juerana, o seu reconhecimento por outras Aldeias Pataxós de Porto Seguro, no entanto, ainda não teve suas terras demarcadas pela União. Ressaltaram atividade econômica que sustenta a Aldeia Juerana, sendo essa pautada na agricultura familiar, realizada com ferramentas tradicionais. Ainda, destacaram a produção do artesanato Pataxó e produtos derivados da mandioca, como farinha de mandioca, farinha de tapioca, goma de tapioca, beiju de tapioca e bolo de puba.

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Contexto histórico, resistência e luta negra no período colonial

   Em seguida, o 3º ano B, apresentou o contexto histórico e cultural de outra comunidade tradicional, o quilombo. Na explanação explicou as estratégias de resistência e luta negra no período colonial. Para isso, utilizou como referência teórica o livro “Quilombo: identidades e histórias”, escrito por Laura Olivieri Carneiro de Souza (2012). Esse livro foi distribuído em às escolas públicas em 2016, pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) no âmbito do Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE).

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As turmas dos 1º, 2º e 3º ano do Ensino Médio assistirão a uma sala temática do 3º ano B sobre o contexto histórico e cultural do Quilombo. A atividade ocorrerá das 10h20min até às 12h, nas últimas aulas. Recursos utilizados: livros paradidáticos sobre Quilombos, cartolina, hidrocor, tesoura, recorte de jornais, revistas e impressões da internet. Espera-se que as/os educandas/os percebam a importância dos quilombos na cultura, resistência e liberdade negra.
Cauim Benfica 
Projeto Pedagógico Axé Odara
19 nov 2018 

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Foto: Alunas/os do 3º ano B. Contexto histórico, resistência e luta negra no período colonial.

Fonte: Cauim Benfica (2018).

Todo ano no final de outubro a escola trabalha com o tema da consciência negra, pra que em novembro seja apresentado um projeto. A culminância ocorre em três dias, com apresentações de diversas categorias entre elas: seminários; danças; culinária e salas temáticas. Durante esse período as/os professoras/es tem como objetivo nos trazer conhecimento e literalmente uma conscientização sobre essa cultura, um trabalho muito lindo, que além de nos trazer conhecimento, é uma forma de honrar a cultura do nosso povo que já passou por diversas lutas. 
Nicolly Silva    
1º B

   As/Os alunas/os mencionaram que representantes de várias nações africanas foram sequestradas para o Brasil colônia. E que a maioria da população escravizada seguia para o trabalho agrícola no formado de plantation, a saber, fazendas latifundiárias de plantação de cana-de-açúcar e café na colonização das Américas. No entanto, outras/os negras/os escravizadas/os ficavam no porto, e eram vendidas/os para senhores nas cidades.

   Paralelo às/aos escravas/os que trabalhavam nas fazendas, tinham também as/os chamadas/os escravas/os de ganho. Esse tipo escravização era diferente do usado na plantation, porque nas cidades os escravos de ganho aprendiam uma profissão (carregadores, barqueiros, oleiros, trabalhadores domésticos, enfim, prestação de serviços que exigiam esforço físico), sendo que os ganhos (remuneração) ficavam com os “seus senhores”.

   Após início de explicação da Turma do “3º ano B”, sobre escrava/o de ganho, notei que algumas/alguns educandas/os de outras turmas e também professoras/es que estavam assistindo à apresentação ficaram “inquietas/os” e comentaram durante um intervalo e outro de exposição: “Ainda roubavam o salário dos caras”; “Nossa! Essa parte da história eu não conhecia”; “Que absurdo! Essa escravidão choca de forma diferente, porque na fazenda existia tortura era horrível, mas eles já não recebiam salário”; “Mas na cidade eles recebiam salário e eram obrigados a dar para o seu explorador”. Diante dessas reações percebi que as/os educandas/os se identificaram com as/os escravas/os de ganho.

     A Turma do “3º ano B”, ainda ressaltou que a consolidação das cidades teve grande participação das/os escravas/os de ganho, pois faziam o transporte de pessoas e mercadorias, o calçamento de ruas, buscavam água nos chafarizes para abastecer as cidades, despejava os excrementos no mar, uma vez que não havia saneamento sanitário. Quanto às mulheres escravas de ganho, tinham o papel de serem amas de leite, prostitutas, trabalhos domésticos e no comércio de rua. Já as crianças negras eram desvalorizadas, mais de 80% morriam de desnutrição e doenças oriundas de condições inóspitas.

   Os “senhores” de escravos executavam diversas formas de evitar a resistência do grande número de escravizadas/os em Salvador, tais como: em caso de fuga, davam 100 açoites na presença das/os demais, e depois do corpo em carne viva, o capitão do mato banhava com vinagre, água salgada ou pimenta e jogava numa cela. Caso, ainda conseguisse sobreviver, passava o resto da vida com uma argola de ferro no pescoço com chocalho, uma placa de ferro escrito aviltante ou preso a correntes.

   Além de tudo isso, as ideias disseminadas sobre a inferioridade das/os negras/os também aprisionavam e torturavam psicologicamente. Por exemplo, a maculação das características físicas, a tentativa de proibição de reuniões em grupos, difusão da ideia de superioridade da/o negra/o mais clara/o, exploração sexual das mulheres negras consideradas mais belas, e também a disseminação de que os trabalhos destinados às/aos escravas/os de ganho eram inferiores, mesmo sendo fundamentais para a organização da cidade.

   Contudo, as/os negras/os desenvolviam diversas estratégias de burlar esse sistema de vigilância. Entre elas, podemos citar a chegada ao seu culto nas capoeiras da mata, optar pelo suicídio, aborto e infanticídio de crianças geradas de relações sexuais forçadas com “os senhores”, fugas individuais e o assassinato de “senhores” e feitores.

Além da opressão dos seus “senhores” (sic), a Igreja Católica Apostólica Romana também era conivente com o sistema escravocrata, e ainda difundia a cresça que os rituais de Candomblé, as danças e a capoeira eram demoníacas. 

   Com ajuda das danças o corpo negro ganhava destreza em expressar a sua resistência e funcionava como arma contra seus inimigos na hora do embate físico e espiritual. Isso era observado pela administração colonial que reprimia toda e qualquer forma de expressão cultural de matriz africana. Para realizá-los, os afro-brasileiros precisavam de um canto escondido. Era a mata que escolhiam para se aquilombar (SOUZA, 2012, p. 71).

 

            Dessa forma, percebe-se que a imposição moralista e os dogmas religiosos católicos são uma estratégia dos colonizadores para as/os negras/os escravizadas/os não construírem uma identificação sociocultural e religiosa com o interesse de formar nações negras dentro do território brasileiro. Pois isso poderia ameaçar o objetivo da colonização portuguesa no Brasil, que era impor valores, crenças, costumes, idioma e sistema econômico ocidental para formar uma nova Europa no continente americano.

            Uma das maiores organizações sociais negras no Brasil no período colonial era o Quilombo dos Palmares, assentado no interior do estado de Alagoas, na serra da Barriga, construído por volta de 1597 por um grupo de cativas/os fugidas/os de engenhos próximos, teve como protagonistas Dandara e Zumbi. Este quilombo recebeu a incursão de aproximadamente trinca expedições militares que atacaram sem sucesso as/os rebeldes. O processo de resistência de Palmares durou nada a menos que um século de lutas entre quilombolas e militares da Colônia brasileira. A visibilidade do Quilombo dos Palmares fez com que o termo quilombo tivesse um significado de cultura e resistência negra no interior do movimento negro.

Em seguida, no turno matutino nesse mesmo dia, participou da roda de conversa tematizada “A resistência da juventude negra e as políticas afirmativas para o enfrentamento do racismo”, o professor e ativista negro Moisés da Cruz Sant’Ana e a graduanda em saúde Giovana Bernardes também contribui com o debate abordando o privilégio do corpo branco na sociedade brasileira.

 

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Moisés da Cruz Sant’Ana, professor de Língua Portuguesa e Língua Estrangeira Moderna (Inglês e Espanhol), graduado em Linguagens, Códigos e Suas Tecnologias pela Universidade Federal do Sul da Bahia - UFSB. Atualmente é Discente do Programa de Pós Graduação em Educação e Interculturalidade pelo Instituto Federal da Bahia - IFBA

Giovana Bernades, graduanda do Bacharelado em Saúde da UFSB.

As turmas dos 1º, 2º e 3º anos do Ensino Médio participarão de uma roda de conversa sobre “A resistência da juventude negra e as políticas afirmativas para o enfrentamento do racismo”, mediada pelo ativista negro “Moisés da Cruz Sant’Ana”, tendo a participação de Giovana Bernardes, graduanda na UFSB. A atividade ocorrerá das 10h20min até às 12h, nas últimas aulas. Recursos utilizados: microfone, notebook, caixa amplificada e projetor de imagem. Espera-se que as/os educandas/os compreendam a importância das cotas raciais nas universidades públicas, o processo de resistência negra e o privilégio do corpo branco. 
Cauim Benfica 
Projeto Pedagógico Axé Odara
20 nov 2018 

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Moisés da Cruz Sant'ana, fala sobre a sua participação no Projeto Pedagógico Axé Odara, e ressalta a importância das cotas raciais nas Universidades públicas.

   Moisés da Cruz Sant’Ana iniciou a roda de conversa fazendo apresentação dos dados estatísticos sobre a população jovem negra contido no Atlas da Violência 2018 e referenciou à violência e homicídio em 2016, sendo 71% das vítimas de homicídios eram negros/as de 15 a 29 anos e com baixa escolaridade. Quanto à população carcerária, destacou que o Brasil era o 3º país com o maior contingente, 726.712 presas/os. Desse número, 64% são negras/os, e 55% têm entre 18 a 29 anos, sendo assim, pode-se perceber que são as/os jovens negras/os que lotam os presídios do país. Esses dados são indicativos do levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, publicado em 2017 pelo Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN. Dando continuidade a exposição de dados estatísticos, informou que 63,7% das/os desempregadas/os no terceiro semestre de 2017 eram negras/os, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), divulgada no dia 17 de novembro de 2017 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

   A partir da análise dos dados estatísticos apresentados, percebe-se que o lugar da/o negra/o da sociedade brasileira é na marginalidade, nos bairros periféricos, suscetível à violência policial e ao recrutamento de jovens para a criminalidade por falta de oportunidade. Desse modo, as políticas afirmativas podem ajudar essas/esses jovens negras/os a resistir a estas opressões. Mas vale também destacar que as políticas afirmativas não são apenas cotas raciais, sociais ou de gênero, mas também educação pública, transporte escolar, merenda escolar e livro de didático.

   O professor ainda destacou alguns pontos do seu contexto histórico e social, tais como: racismo constantemente no seu dia-a-dia; estudante de escola pública; família pobre, negra, composta por pai, mãe e 12 irmãos; vivência em situação de vulnerabilidade social; e a sua higiene, que sempre foi suspeita, por muitas vezes associada à sua raça. Diante desse contexto, considera que as políticas afirmativas foram importantes para ele construir a sua carreira acadêmica e profissional.

   Atualmente, Moisés atua nos Movimentos Sociais e na Educação, espaços em que encontrou oportunidade para fazer a militância dentro do Movimento Negro, que se desenvolve em uma relação de corpo a corpo, disposto a ouvir críticas e aplausos das/os adolescentes. O ativista negro ressaltou que luta para que as/os estudantes negras/os tenham uma consciência racial, para saberem quais são as políticas reservadas e como elas/eles podem resistir às diversas violências que atravessam seus corpos negros nas periferias, pois a oportunidade passa pelo autoconhecimento de ser negra/o e a luta pelos seus direitos.

   O discurso sobre a resistência da juventude negra e as políticas afirmativas para o enfrentamento do racismo surge como uma abordagem metodológica em rodas de conversas para educação formal e não formal, em sua maioria, jovens e negras/os em situação de vulnerabilidade social. Moisés explica sobre as políticas afirmativas, relações raciais e étnicas na sociedade, de modo a fazer essas/esses jovens relatarem os seus problemas nesse espaço, e ocupar centros universitários.

   Ainda na roda de conversas, Giovana Bernardes iniciou apresentando uma abordagem em vídeo destacando os diversos privilégios e solicitou que cada aluna/o levantasse a mão se fosse contemplada/o por alguns privilégios, entre eles: acompanhamento familiar, acesso à educação na infância, moradia com uma boa infraestrutura urbana, renda familiar acima de 5 salários mínimos, estudo em tempo integral, cursos extraescolares, entre outros. Ao fazer uma breve análise do vídeo foi possível notar que as pessoas brancas tiveram mais acesso aos privilégios citados. E por fim, as/os alunas/os perceberam que esses privilégios interferem na construção da sua vida econômica e social.

   Seguindo a roda de conversas, a graduanda em saúde argumentou que enquanto menina branca, nunca teve a sua higiene questionada, e muito menos uma atitude que ela tomou serviu como característica para toda a população branca. Após essa afirmação, Moisés solicitou a palavra e argumentou que ele, enquanto menino negro sempre teve a sua higiene questionada, e sempre ouviu de professores e colegas em sala de aula que o odor ruim seria uma característica da raça negra, além disso, ainda mencionou que qualquer atitude inadequada que ele tomasse, sempre era associada a todo povo negro. Para confirmar esses traumas, ele tirou da bolsa algo que ele sempre carrega: desodorante, perfume, sabonete, escova e pasta de dente. E afirmou que constantemente vai ao banheiro, seja numa festa ou em uma reunião, para passar desodorante, perfume e escovar os dentes.

   Dessa forma, pode-se notar que a redução de uma característica de um grupo inteiro se associa a uma característica de uma/um única/o sujeito negra/o, por outro lado, Giovana, branca, nunca passou por essa situação, e de nenhuma forma percebeu que ao se posicionar sobre um assunto, essa opinião fosse entendida como a opinião de todas/os as/os brancas/os.

   Além do racismo que atinge a pessoa negra e reverbera em seu coletivo, o próximo tema da roda de conversa foi o racismo institucional, especificamente da polícia, e para exemplificar esta questão, a graduanda em saúde comentou que a/o branca/o é vista/o como uma/um cidadã/ão e suas características específicas, por exemplo, branca/o do cabelo curto ou branca/o do cabelo comprido, branca/o com camisa amarela e branca/o com camisa azul e etc. Já para a/o negra/o não importa as suas características específicas, pois ele é simplesmente uma/um negra/o.

   O ativista negro solicitou a palavra e citou que houve um assalto no centro da cidade de Porto Seguro, e ele estava em outra parte da cidade, mas de repente foi surpreendido com uma abordagem policial. O policial disse que uma pessoa com as suas características cometeu um assalto, mas quando uma amiga indagou qual era a característica do assaltante, o policial simplesmente disse: “ele era negro”. A partir daí Moisés teve que apresentar a sua carteirinha de estudante da UFSB, a carteira de trabalho, o Registro Geral, e ao lado da amiga conversou com o policial que não poderia ser ele pois no horário do assalto ele estava trabalhando. Depois de algum tempo foi dispensado da abordagem policial.

   Um educando, aproveitou o tema, e comentou que quando estava com alguns amigos, no píer municipal do centro de Porto Seguro dois policiais abordaram os amigos mais escuros e dispensaram os amigos mais claros.

Diante desses relatos, percebe-se que a marca negra quanto mais escura será um alvo para a polícia, o corpo negro torna-se assim um corpo suspeito, um corpo dissonante ao padrão adequado para a sociedade brasileira. Mostra-se que o racismo é violento, excludente e fomenta desigualdade econômica.

   Por fim, Giovana Bernardes, comentou as limitações que sente em fazer alguma explanação sobre o racismo, pois enquanto mulher branca, entendia que aquele espaço não era seu, e que apenas apresentou parte da sua vivência para as/os educandas/os entenderem as experiências de um corpo branco crítico e antirracista nesse espaço. No entanto, deixou claro que não queria falar por ninguém, porque outras pessoas que sofreram racismo poderiam falar com mais propriedade, pessoas em que as suas vivências não são escutadas. Mas conversando com outras/os amigas/os negras/os percebeu que é sim importante ela ocupar esse espaço, para entender que pode ouvir, falar e ocupar esse lugar, pois a branquitude crítica e antirracista precisa reconhecer os seus privilégios. E após as/os convidadas/os fazerem os agradecimentos finais encerrou-se a roda de conversa.

   

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A discussão do tema na sala propiciou uma forma interessante de estudar e conhecer o tema, a interação com os colegas foi muito importante. As mudanças foram evidentes, e a empatia com as mulheres negras aumentou. Sem falar sobre a formação da percepção de como a sociedade funciona em relação às mulheres negras. A desigualdade imposta durante séculos de perseguição e opressão está na nossa realidade ainda hoje. 
Cleberson Ribeiro
2º A

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As turmas dos 1º, 2º e 3º anos do Ensino Médio participarão de uma roda de conversa sobre “Corpo feminino negro: afetividades e violências”, mediada pela graduanda em Direito “Monalisa Pereira Santos”, tendo a participação da graduanda em Artes e militante LGBTQIA+ “Cáz Angela Apolinário Arruda Rodrigues”. A atividade ocorrerá das 16h20min até às 18h, nas últimas aulas do turno vespertino. Recursos utilizados: microfone, notebook, caixa amplificada e projetor de imagem. Espera-se que as/os educandas/os compreendam o processo de resistência da mulher negra, os direitos civis, a diversidade de gênero e o privilégio do corpo masculino cis branco. 
Cauim Benfica 
Projeto Pedagógico Axé Odara
20 nov 2018

Thaís Souza. Egressa do CECB. Estudante da UFSB. Fala de sua participação no Projeto Pedagógico Axé Odara. Temática Egito Antigo (2019)

Em seguida, no turno vespertino, participou da roda de conversa tematizada “Corpo feminino negro: afetividades e violências”, a feminista negra e graduanda em direito Monalisa Pereira Santos e a ativista LGBTQI+ e graduanda em artes Cáz Angela Apolinário Arruda Rodrigues também contribuiu com o debate abordando o privilégio do corpo masculino hétero (cis) na sociedade brasileira.

 

Fonte: Cauim Benfica (2018)

1 Graduada no Bacharelado Interdisciplinar em Humanidades da UFSB em 2017. Graduanda em Direito pela a mesma instituição.

2 Graduanda em Artes pela UFSB, denomina-se travesti e nesse período estava passando pelo processo de transição, por conta disso apresentou vestindo blusa de manga e saia.

   A feminista negra iniciou sua participação na roda de conversas comentando que quando foi convidada pela discente Sabrina Piloto para dialogar sobre mulheres negras com turmas do Ensino Médio, refletiu sobre diversas formas de iniciar a abordagem dessa temática. Primeiro, buscou nas suas experiências pessoais algumas ideias para começar o debate. Em seguida, pesquisou alguns textos em que de alguma forma se aproximasse de ideias que ela considerou importante, como a falta de afetividade na vida das mulheres negras, violência e estereótipos ao corpo feminino negro, e suas implicações no afeto, amor, respeito e companheirismo.

   Ela se identificou com os textos escritos pelas intelectuais negras, principalmente Lélia Gonzales (1984, 1988) e bell hooks (2013), pois contextualizam a vivência das mulheres negras na Amefricanidade, termo cunhado por Lélia Gonzales para designar os povos subalternizados pela colonização, o que compreende os descendentes dos povos que estavam na América antes da invasão europeia no século XVI, e também os povos que foram traficados de África para a América.

A categoria de Amefricanidade “incorpora todo um processo histórico de intensa dinâmica cultural – adaptação, resistência, reinterpretação e criação de novas formas” (GONZALES, 1988, p. 76). Logo, Monalisa citou:

 

Ora, na medida em que nós negros estamos na lata de lixo da sociedade brasileira, pois assim o determina a lógica da dominação, caberia uma indagação via psicanálise: por que o negro é isso que a lógica da dominação tenta (e consegue muitas vezes, nós o sabemos) domesticar? E o risco que assumimos aqui é o do ato de falar com todas as implicações. Exatamente porque temos sido falados, infantilizados (infans, é aquele que não tem fala própria, é a criança que se fala na terceira pessoa, porque falada pelos adultos), que neste trabalho assumimos nossa própria fala. Ou seja, o lixo vai falar, e numa boa (GONZALES, 1984, p. 225).

 

   Dessa forma, a graduanda em direito quis destacar nessa citação o racismo naturalizado como uma neurose cultural brasileira, ao ponto da violência ao corpo negro não criar uma consternação no Brasil, em vista que é recorrente aparecer nos noticiários torturas, prisões e assassinatos. Pior ainda, é perceber que parte da classe média ainda busca justificar essa barbárie a um pensamento racista de que a/o negra/o é irresponsável, incapaz intelectualmente, palhaça/o (num sentido pejorativo da sociedade racista), infantil, não fala por si, não trabalha, e sendo assim, é malandra/o, traficante e ladra/ão. Ou seja, a lata de lixo da sociedade brasileira.

   Ora, a palavra tem o papel de pronunciar o mundo, de problematizá-lo, de modificá-lo (FREIRE, 2005). O papel da palavra como ação, destacado por Freire, se aproxima do argumento da perspectiva pós-colonial, para a qual a linguagem e o discurso têm lugar central. A preocupação de Freire em apontar que a pronúncia da palavra não deve ser prerrogativa apenas de alguns e o seu objetivo de libertação das classes oprimidas está diretamente ligado à conquista da capacidade de também dizer a sua palavra, dizê-la conforme sua forma de perceber a realidade ou, se poderia dizer, emiti-la a partir de seu lugar de fala.

   Ao prosseguir com a roda de conversa, comentou que a articulação do racismo com o sexismo causa marcas perversas às mulheres negras. Para justificar essa afirmação, citou alguns dados estatísticos, tais como: no Censo de 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os dados apontavam que, à época, mais da metade das mulheres pretas, precisamente 52,52%, não vivia em união afetiva, independente do Estado civil; as mulheres pretas como mantenedoras de famílias com até um salário mínimo de rendimento são de 60%, revelando baixa escolaridade. Agora, as famílias mantidas por mulheres que recebem três salários ou mais, a presença das mulheres pretas reduz para 29%; dados da Central de Atendimento à Mulher relativos ao ano de 2013 apontam que 59,4% dos registros de violência doméstica no serviço referem-se a mulheres pretas; o Dossiê Mulher 2015, do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro, aponta que 56,8% das vítimas dos estupros registrados no Estado em 2014, eram pretas. E 62,2% dos homicídios de mulheres, vitimaram pretas (19,3%) e pardas (42,9%).

De acordo com os dados apresentados por Monalisa, é possível notar a precariedade do afeto à mulher negra na sociedade brasileira, haja vista que a maioria é abandonada pelos seus parceiros afetivos, possui baixos índices de escolaridade e renda, são as maiores vítimas de violência doméstica, estupros e homicídios de mulheres no Brasil. Ou seja, a lata de lixo da sociedade brasileira. Ressaltou que essa realidade posta, foi construída a partir do período colonial, em que as mulheres negras foram traficadas de África para serem escravizadas. Por conseguinte, houve um rompimento de direitos, família, amigos, parte da expressão cultural, religiosa e social.

   As mulheres negras escravizadas trabalhavam na lavoura e plantações junto aos homens negros escravizados, eram também as mucamas (domésticas, amas de leite e serva sexual) na Casa Grande. Nas cidades, como escravas de ganho (as mulheres trabalhavam, mas o que recebia deveria entregar ao seu “dono”) eram domésticas, as mais afeiçoadas eram prostitutas e as boas cozinheiras vendiam quitutes e temperos nas feiras. Fica evidente perceber que este ambiente confuso, torturante e repressivo, não possuía o mínimo espaço para a afetividade, amor, companheirismo, respeito e bons sentimentos. O menor vacilo era o suficiente para receber castigos corporais. Os seus rebentos fruto de estupros ou relações consentidas seriam os novos escravizados, que viveriam uma vida indigna e desumana, por isso, em muitos casos preferiam abortar a ver seus filhos renegados pelo pai e sendo violentados sem esperança de novas perspectivas de vida. Além disso, a mulher branca, esposa dos senhores cultivavam o ódio pelas mulheres negras, por perceber que os seus maridos preferiam ter relações sexuais com as mucamas. No entanto, a mulheres brancas não percebiam que não se tratava de sexo ou amor, mas sim estupros.

   Após o período colonial surgem três espectros da mulher negra na neurose cultural brasileira: a mulata do carnaval que é um símbolo do objeto sexual desse período festivo do ano, pois a mulata é considerada linda, gostosa e protagonista; a doméstica trata-se da empregada do lar e a mãe-preta refere-se a babá ou alguma empregada em que o filho/a do patrão construiu uma relação de afeto, mesmo que esteja explícito que a mãe-preta seja subalterna, nesse sentido esse papel não substitui o papel da mãe biológica.

   No decorrer da explanação da estudante universitária, notei que os alunos estavam em silêncio e apreensivos com esse contexto, percebi burburinhos. Em seguida, ela perguntou se alguém gostaria de fazer algum comentário ou alguma pergunta, para a roda de conversas não se converter em uma explanação sem espaço para o contraditório. Aproveitando o espaço, uma aluna perguntou: “Como essa história triste pode mudar a realidade?”. Monalisa respondeu que é importante conhecer o contexto que formou a nossa sociedade para não naturalizar diversas desigualdades, nesse sentido, conhecer a história faz a gente entender porque a mulher negra está no tecido mais vulnerável da composição sociológica do Brasil.

   Solicitei a palavra e afirmei que o fato de Monalisa Pereira Santos, uma mulher negra, estudante de direito d UFSB, participar da nossa roda de conversas pode gerar em outras meninas negras alunas do CECB outras perspectivas de realidade. A Sabrina, aluna do “3ª A”, disse que se identificou com a explanação, pois conseguiu perceber diversas questões que a oprimia na sociedade e que o racismo por denegação é crime, sendo assim ela pode lutar por seus direitos. E por fim, a graduanda em direito ainda comentou que é importante perceber o racismo por denegação no nosso cotidiano, e com o debate pode-se construir atitudes antirracistas.

   Em seguida, Caz Angela A. Rodrigues fez algumas contribuições para a roda de conversas, abordou o privilégio de fala do corpo masculino hetero (cis) branco na sociedade brasileira. Iniciou o diálogo pontuando que, ao contrário do corpo feminino negro, o corpo masculino hetero (cis) branco possui diversas formas de privilégios na sociedade brasileira. Um desses privilégios é o direito de fala da branquitude de uma forma geral, principalmente o cis masculino hetero, pois eles podem falar sobre qualquer assunto, como se tivessem uma visão pura e exterior de tudo.

   Ao homem branco, geralmente, a sociedade não enxerga gênero e raça. E dessa forma são privilegiados porque possuem o aval de falar sobre diversas questões, e ao mesmo tempo afasta-se qualquer suspeita de que seja tendenciosa. Corpos brancos hetero cis podem falar sobre qualquer questão sobre gênero ou relações-étnico raciais que não serão considerados suspeitos ou tendenciosos. Mas quando, um corpo negro/a, indígena ou travesti, questiona a heteronormatividade (cisnormatividade) há a suspeita sobre essas falas, pois não consideram opiniões neutras. E por mais que esses grupos pesquisem e leiam, sempre serão corpos suspeitos. As relações sociais, étnico-raciais e de gênero foram formadas para beneficiar a branquitude masculina cis.

   Em muitos momentos, quando a branquitude masculina cis se afasta do debate sobre raça e gênero é na verdade uma tentativa de manter os privilégios e o poder na nossa sociedade. Após as considerações da graduanda em artes, comentei a importância da participação de uma mulher negra e de uma travesti na roda de conversa no CECB, pois dessa forma, visibilizando e dialogando, podemos começar a romper com a desigualdade, o racismo, a homofobia e a transfobia na sociedade brasileira, e que essa atitude antirracista é um dever de todos os grupos oprimidos. Visto que,

 

por mais que, nesta ou naquela sociedade, por motivos históricos, sociais, culturais, econômicos seja visivelmente sublinhada a importância da raça, da classe, do sexo, na luta de libertação, é preciso que evitemos cair na tentação de reduzir a luta inteira a um desses aspectos fundamentais. [...] O sexo só não explica tudo. A raça só, tampouco. A classe só, igualmente. [...] O líder operário, audaz e empreendedor, aguerrido na luta de libertação, mas que trata sua companheira como objeto é tão incoerente quanto a líder feminista branca que menospreza a camponesa negra e tão incoerente quanto o intelectual progressista que, falando a operários, não se esforça para falar com eles (FREIRE, 2003, p. 95).

 

   Acrescento o conceito de gênero ao conceito de sexo citado por Paulo Freire (2003), entendo que ele sempre alertou aos grupos subalternizados para não cair nas armadilhas do reducionismo, haja vista que, quando o grupo dos oprimidos se fragmenta, fortalece a elite dominante. Sendo assim, quanto mais unidos politicamente os grupos oprimidos, maior será o poder político. Encerramos assim, mais uma jornada no ano letivo de 2018 sobre estudos e debates referentes às relações étnico raciais

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