



Projeto Pedagógico Axé Odara
No início do ano de 2019, na semana Pedagógica, tive a sensação de que a cada ano o “Projeto Axé Odara” conquistava mais corações e mentes, mesmo que não fosse de forma direta, pois assuntos como Identidade, Cultura, Artes, Valores Éticos, Diversidade, Interações e Direitos Humanos tomaram conta dos debates na semana pedagógica. E para esse ano letivo, ficou decidido que as disciplinas deveriam aproximar os seus conhecimentos a três eixos temáticos: na primeira unidade Identidade, Cultura e Artes; na segunda unidade Ciência e Valores Éticos; e na terceira, e última unidade, Diversidade, Interações e Direitos Humanos. Sendo assim, outras disciplinas possivelmente ao longo do ano iriam dialogar sobre questões étnico-raciais.
Outro tema debatido durante a semana pedagógica foram os Projetos Estruturantes da Secretaria Estadual de Educação da Bahia, por orientar que as escolas estaduais realizassem projetos em que as/os educandas/os fossem as/os autoras/es de atividades culturais e protagonistas na educação. Essas atividades dos projetos estruturantes contemplaram poesias, músicas, peças teatrais, vídeos estudantis, pinturas e artes visuais, coral de música, álbum de fotografia e danças. Nesse ano, muitas atividades tiveram como tema as culturas afrodescendentes e indígenas.
E para encerrar a semana pedagógica, algumas/alguns alunas/os, com apoio das/os professoras/es e do Grêmio Estudantil do CECB, apresentaram a “Dança dos Orixás”.

Foto: Encerramento da Semana pedagógica com a “Dança dos Orixás".
Fonte: Cauim Benfica (2019).
A “Dança dos Orixás” inicia com a mãe das águas do mar Iemanjá abrindo o início da dança, logo depois, Oxum que sendo também a mãe dos rios, cachoeiras e da fertilidade dando início à entrada e saudando os guerreiros Xangô e Ogum. Eles representam a pluridiversidade e espiritualidade negras. Após o encerramento da “dança dos orixás” na semana pedagógica os alimentos que cada funcionária/o ofertou para a reunião foram compartilhados.
Após a semana pedagógica iniciou-se o período de estudos, pesquisas e escritas sobre relações étnico-raciais e planejamento da construção da comunidade de aprendizagem decolonial de aquilombamento.
Esse quilombo pode ser formado através de comunidades de aprendizagens e rodas de conversas, e assim construir uma “Comunidade Pedagógica Decolonial de Aquilombamento”. No livro “Ensinando a transgredir”, capítulo 10, bell hooks (2013) se engaja num diálogo com Ron Scapp sobre “a construção de uma comunidade pedagógica”. Nesse diálogo, bell hooks (2013) afirma que a sua forma de ensinar se deve ao fato de nunca ter querido ser acadêmica, e por ser uma mulher negra no meio universitário branco estadunidense teve interesse pela educação como prática libertadora e por estratégias pedagógicas que pudessem servir não só para as/os educandas/os, mas também para as/os professoras/es, e nesse sentido as obras de Freire (1987, 2000, 2003, 2005) foram um aporte teórico importante para a sua estratégia de ensino. Sobre essas considerações, o primeiro passo é,
criticar [nossa] pedagogia e a aceitar críticas dos alunos e de outras pessoas sem sentir que questionar o modo como [damos] aula equivale, de algum modo, a questionar [nosso] direito de existir no planeta. Sinto que uma das coisas que impedem muitos professores de questionar suas práticas pedagógicas é o medo de que “essa é minha identidade e não posso questioná-la” (hooks, 2013, p. 180).
Para promover uma aula mais dinâmica e engajada é preciso usar os limites do corpo, por isso faz diferença se as/os professoras/es ficarem sentadas/os durante toda aula, de costas para sala escrevendo no quadro, ou se movimentarem e reconhecerem a sua subjetividade e a subjetividade das/os alunas/os. O mascaramento do corpo está relacionado ao mascaramento de classe, que as normas e os padrões da escola reproduzem os valores de uma classe privilegiada e elitista. Nesse sentido, o rigor na exigência do uniforme escolar cumpre o papel de mascarar as diferenças de raça, gênero, cultura e de classe, pois esse padrão influenciado pelo colonialismo é o que resultou nas marcas da colonialidade. Visto que,
o colonialismo denota uma relação política e econômica, na qual a soberania de um povo está no poder de outro povo ou nação, o que constitui a referida nação em um império. Diferente desta ideia, a colonialidade se refere a um padrão de poder que emergiu como resultado do colonialismo moderno, mas em vez de estar limitado a uma relação formal de poder entre dois povos ou nações, se relaciona à forma como o trabalho, o conhecimento, a autoridade e as relações intersubjetivas se articulam entre si através do mercado capitalista mundial e da ideia de raça. Assim, apesar do colonialismo preceder a colonialidade, a colonialidade sobrevive ao colonialismo. Ela se mantém viva em textos didáticos, nos critérios para o bom trabalho acadêmico, na cultura, no sentido comum, na auto-imagem dos povos, nas aspirações dos sujeitos e em muitos outros aspectos de nossa experiência moderna. Neste sentido, respiramos a colonialidade na modernidade cotidianamente (MALDONADO TORRES, 2007, p.131).
Durante o ano letivo de 2019, para o “Projeto Pedagógico Axé Odara”, ocorreu a construção de comunidades de aprendizagens, em que muitas formas de expressões artísticas, escritas e verbais foram realizadas. No início do ano letivo formaram-se comunidades de aprendizagens sobre “Sankofa”, “Quilombismo”, “Racismo e Sexismo” e “Necropolítica”. Esses temas foram pesquisados principalmente em artigos e livros paradidáticos.
A Sankofa é uma ave mitológica andinkra – conjuntos de representações simbólicas de África pré-colonial – que possui duas cabeças, uma olha para o passado e a outra para o futuro. Nesse sentido, o interesse era resgatar epistemologias, culturas, conhecimentos e religiosidades de África, para incluir no “Projeto Pedagógico Axé Odara” para sustentar uma base teórica epistemológica negra, pois dessa forma as/os educandas/os teriam outras referências identitárias da história da humanidade e da história dos povos negros traficados de África para o Brasil.
No decorrer do ano letivo houve leituras, produção de textos e definiu-se que na culminância das comunidades de aprendizagens algumas/alguns alunas/os iriam tocar, cantar e dançar a música “Faraó Divindade do Egito”; mediar roda de conversa sobre “Sankofa: história e cultura afrodescendente”; recitar a poesia Religare e dançar “As lavadeiras de Oxum”.
Educando Luiz Felipe sobre os projetos pedagógicos.
Larissa Santos, 1° ano A.
Projeto Pedagógico Axé Odara
13.09. 2019
Sankofa: história e cultura afrodescendente
Em seguida, um grupo de alunas/os do 1º ano A e B, apresentou o tema – “Sankofa: história e cultura afrodescendente” – o interesse dessas/es educandas/os em formar uma roda de conversas sobre esse tema era para contextualizar as culturas e tecnologias do Egito antigo e de outros territórios de África. E assim, ser um aporte teórico para a música “Faraó Divindade do Egito”, que outras/os alunas/os executaram na abertura da culminância.
As turmas do 1º, 2º e 3º ano do Ensino Médio participarão de uma roda de conversa sobre Sankofa: história e cultura afrodescendente, mediada por 3 alunas/os do 1º ano A e 2 alunas do 1º ano B. A banda da escola abrirá a atividade com a música Faraó Divindade do Egito e um grupo de dança da escola encerrará a roda de conversa com a dança As lavadeira de Oxum. A atividade ocorrerá das 7h30min até às 8h20min, primeira aula. Recursos utilizados: Espaço do auditório do Centro de Cultura de Porto Seguro, microfone, notebook, caixa amplificada e projetor de imagem. Espera-se que as/os educandas/os compreendam que o continente Africano, principalmente o Egito Antigo, são espaços importantes no processo de desenvolvimento do conhecimento humano, e que o respeito às religiosidades de matriz africana são práticas antirracistas.
13 nov 2019

Foto: Comunidade de aprendizagem - Sankofa.
Fonte: Cauim Benfica (2019).
A aluna Nagila do 1º ano B iniciou explanação sobre a temática, afirmando que a pesquisa teve como referência Cheik Anta Diop (1983), Elisa Larkin Nascimento (2001) e Oyèronkè Oyèwúmi (2004). Na sequência afirmou que o ideograma sankofa pertencente a um conjunto de símbolos andinkra, de origem akan. Argumentou a necessidade de o contexto escolar resgatar epistemologias de África antes da colonização para problematizar a realidade racista e patriarcal brasileira, e assim, fazer um giro epistêmico em que a negritude e os povos subalternizados, compreendam que existem outras narrativas além do mito eurocentrista.
A aluna Júlia, do 1º ano B, ressaltou que essa abordagem afasta o pensamento da história única ocidental de que as/os negras/os são apenas descendentes de “tribos primitivas” de África ou de escravas/os, e destacou que as/os africanas/os foram pioneiras/os no desenvolvemento de diversas formas de escritas e tecnologias.
A aluna Ruana do 1º ano A, seguiu a roda de conversas abordando que o Antigo Egito foi um importe espaço para o constructo do conhecimento humano. Ressaltou que Thales de Mileto primeiro filósofo pré-socrático viajou por vários territórios, inclusive o Egito. O aluno Juan Pablo do 1º ano A, afirmou que a perspectiva teórica, cientifica-filosófica e o avanço tecnológico alcançado pela civilização egípcia são importantes serem ressaltados na escola, para que o aniquilamento de epistemologias de África através de uma lente eurocêntrica que apresenta o “milagre grego” como início prístino do desenvolvimento do conhecimento da humanidade não permaneça como uma história única.
Outro aspecto importante, foi abordado pela aluna Raffaella do 1º ano A, que destacou a organização social matrilinear nas culturas pré-coloniais de África como um elemento que pode ser contra hegemônico ao patriarcalismo ocidental. No Egito Antigo e no Império de Gana, por exemplo, o protagonismo da mulher se estendia na organização jurídica, econômica, social e política, refutando as teses evolucionistas de que as sociedades matrilineares estão em “estágio de primitivo”.
Raffaella ainda citou algumas mulheres protagonistas na história de África, como por exemplo, no Egito Antigo a importância política e religiosa de Ísis e Cleópatra; a tradição das rainhas mães africanas na antiga Núbia com a linhagem das Kentakes (300 a.C. – 200 a.C.); em Angola a rainha N’Zinha, que resistiu aos dominadores portugueses e holandeses; e Gana apresenta a rainha Yaa Asantewa, que liderou a guerra dos Asantes contra o domínio inglês. Vale ressaltar, que esses exemplos não são casos isolados, mas configuram a tradição matrilinear nos primórdios das organizações sociais de África.
Para finalizar essa roda de conversa, comentei que ao longo do período letivo de 2019, os 1º anos A e B estudaram questões relacionadas a “Sankofa: história e cultura afrodescendente”, e apesar de uma parte das/os educandas/os pesquisar informações, inclusive em diversas fontes, houve também outra parte que ficou receosa em ler esses textos. Algumas/alguns alunas/os evangélicas/os me perguntaram: “É coisa de macumba?”; “Tem a ver com o Marxismo Cultural?”; “Esse texto fala sobre ideologia de gênero?”. Argumentei que os textos revelam parte de elementos históricos e culturais de África, e obviamente, não tem relação com as indagações proferidas.
Estudante Roseana Brasil (2° Ano). Comunidade de Aprendizagem., 2019
Ensaios da Banda Axé Odara
As/os alunas/os escolheram os instrumentos para o ensaio da culminância do “Projeto Pedagógico Axé Odara”. Dessa forma, os instrumentos que tradicionalmente eram tocados para homenagear a elite e a tradição colonial/imperial, agora seriam tocados em homenagem ao Olodum, grupo formado num bairro periférico e negro de Salvador, Bahia, que possui influências religiosas e culturais do candomblé. E assim, ocorreria um giro epistêmico no movimento cultural.
O primeiro aluno a manifestar interesse de fazer essa experiência foi Bruno, do 3º ano A, que frequenta a Igreja Adventista do Sétimo Dia, ele ouviu a música e os batuques em vídeos do youtube e passou as batidas para caixa, surdo e bumbo. O aluno demonstrou as batidas nos tambores para as/os outras/os componentes da banda. E em nenhum momento ele cogitou a possibilidade de não frequentar a atividade por conta do seu seguimento religioso, pelo contrário, sempre liderou os ensaios da banda de forma engajada. Outro aluno foi o Kaio, que prontamente procurou as/os componentes da banda com intuito de participar dos ensaios. Kaio deu a sugestão de incluir o violão, e disse que o pastor da Igreja Evangélica que ele frequenta, chegou a argumentar para ele não participar, pois a música tem batuques semelhantes à macumba. No entanto, pela postura engajada do jovem, argumentou para o pastor que tinha os instrumentos e aparelhos necessários e que a atividade se tratava de um movimento cultural e educativo da escola, por isso ele iria participar, como forma de combater o preconceito.
As cantoras que participaram da banda também eram evangélicas e se dedicaram aos ensaios. Porém outras alunas que cantariam outra música do Olodum alegaram que só poderiam glorificar a Jesus. Sendo assim, elas preferiram participar da atividade sobre culinária afro-brasileira.
Para completar a apresentação da música, um grupo de alunas fizeram a coreografia da dança. Por conta do conteúdo da música e dos movimentos corporais, no dia 28/10/2019, a mãe de uma aluna me procurou na escola para conversar sobre a dança e o conteúdo da música. Essa mãe alegou ser evangélica e que a sua filha não poderia participar de macumba. Argumentei que a música do Olodum tem elementos da cultura negra e que as apresentações tinham um contexto cultural e histórico, sendo assim, não era uma oferenda ou um rito religioso. Mesmo assim, no primeiro momento a mãe da aluna se sentiu incomodada com a resposta. Por isso, como o projeto aborda relações étnico-raciais, sugeri que a aluna poderia pesquisar algum elemento da cultura negra ou indígena e apresentar no dia da culminância. No entanto, a aluna argumentou que queria participar da dança referente a música do Olodum. Após justificativas, a mãe entendeu que a atividade tem um caráter cultural e pedagógico e não religioso, e aceitou que a filha participasse.
A banda se apresentou também em outros espaços educativos: na VarandAfro Cultural do Novembro Negro da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), no Campus Sosígenes Costa (CSC) em Porto Seguro e no Projeto Empreter-Ser do Novembro Negro do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA), Campus de Porto Seguro.
A escolha da música se justifica devido ao seu conteúdo, pois aborda os deuses e a mitologia do Egito, rompendo assim com a tradição hegemônica cristã no Brasil de iniciar todas as atividades com ritos religiosos do cristianismo. Essa música faz também uma conexão histórica entre o Egito antigo negro e a população negra marginalizada de Salvador, Bahia. Dessa forma, iniciou-se os trabalhos da culminância sobre relações étnico raciais.
Após a leitura e o debate sobre o texto de Lélia Gonzalez, “Racismo e sexismo na Cultura brasileira”, cheguei à conclusão de que nossos pensamentos e modos de agir com o próximo, pode ser racista. Lélia mostrou que devemos lutar pelos nossos direitos, pela nossa ancestralidade, pois não é só com ofensa verbal que a atitude se torna racista. O racismo estrutural vai muito mais além, pois as/os negras/os tem o direito de ir e vir sem serem parados pela polícia. E também sem serem vistos como ladras/ões e perigosas/os. A mulher negra tem o direito de trabalhar onde quiser e ter a oportunidade de escolher a sua profissão e não ser vista como prostituta, objeto sexual ou doméstica. Lélia nos mostrou que a face do racismo estrutural está relacionada à neurose da cultura brasileira.
Júlia Rodrigues
3º A
Odara Indica:
Na sequência das apresentações, a aluna Lorraine do “2º ano B” recitou uma poesia intitulada de Religare, que circulou nas redes sociais a partir 2016, chegando até ser reproduzida nas grandes redes de telecomunicações

Lorrane recitando a poesia "Religare".
Fonte: Cauim Benfica (2019).
Essa poesia aborda o respeito às diferenças religiosas, contesta o racismo religioso e nega a ideia de que alguém ou uma religião possua uma verdade universal.
As Lavadeiras de Oxum
Em seguida, as alunas Helem do 3º ano B, Laís, Nicole e Ydnajara do 1º ano B, apresentaram a dança “As Lavadeiras de Oxum”.

Foto: Dança "As lavadeiras de Oxum".
Fonte: Cauim Benfica (2019).
Nessa dança, as lavadeiras entram em cena com a trouxa de roupas. Estendem um tecido e em seguida simulam lavar as roupas às margens do rio. Oxum aparece olhando para o espelho e, com a sua beleza, vigia as lavadeiras, exalta a força e a resistência da mulher negra. A dança segue com uma coreografia semelhante a um passe, como se Oxum incorporasse nas lavadeiras. Os movimentos da dança ficam lentos e vão acelerando constantemente. Esse espetáculo hipnotiza através de movimentos corporais das dançarinas. Deixa o público em transe, paralisado, com um misto de sentimentos entre pavor e encanto, buscando descolonizar mentalidades, haja vista que,
descolonizar implica estilhaçar as velhas sedimentações culturais, intelectuais e políticas e, mais do que resgatar, criar um senso de valor próprio sobre si mesmo e sobre o povo ao qual se pertence. Experimentar a si mesmo como dádiva, seguir a recomendação de Oxum, que, ao ser perguntada sobre como encontrar o amor verdadeiro, respondeu: “olhando sempre para o espelho (VEIGA, 2019, p 247).



Foto: Dança "As lavadeiras de Oxum" na UFSB - 2019.
Fonte: Cauim Benfica (2019).
Quilombo e Quilombismo
Após a apresentação da dança “As lavadeiras de Oxum”, seguiu-se a comunidade de aprendizagem mediada por alunas do 2º ano, cujo tema era “Quilombo e Quilombismo”.

Foto: Comunidade de aprendizagem: Quilombo e Quilombismo.
Fonte: Cauim Benfica (2019).
As turmas do 1º, 2º e 3º ano do Ensino Médio participarão de uma roda de conversa sobre Quilombo e Quilombismo, mediada por 3 alunas do 2º ano A e 3 alunas do 2º ano B. Um grupo musical encerrará a roda de conversa cantando a música Realista Poesia/Odara composta por Janyne Venâncio. A atividade ocorrerá das 8h20min até às 9h10min, segunda aula. Recursos utilizados: Espaço do auditório do Centro de Cultura de Porto Seguro, microfone, notebook, caixa amplificada e projetor de imagem. Espera-se que as/os educandas/os compreendam a importância dos quilombos na luta pela liberdade negra, na formação cultural do povo brasileiro e nas consequências da violência colonial na realidade atual brasileira
13 nov 2019
Dos dias 14/11/ até 20/11, realizaram-se apresentações, oficinas e salas temáticas para a conscientização negra, o Axé Odara, um projeto antirracista. A celebração relembra a importância de refletir sobre a posição das/os negras/os na sociedade. Afinal, as gerações de afro-brasileiros que sucederam a época de escravização sofreram (ainda sofrem) diversos tipos de preconceitos. A sua cultura é muito rica e diversificada – danças, vestimentas, culinária, entre outras variedades. Ressalto o caruru, um prato que combina a culinária Daomé Nagô, da Nigéria, povo Iorubá, e indígenas da Bahia. Originalmente, o caruru brasileiro era um prato refogado de ervas que servia para acompanhar outro prato (carne ou peixe). A versão atual do caruru, no entanto, é mais africana que indígena, sendo feita com quiabo, pimenta malagueta, camarão seco e azeite de dendê. É um cozido de quiabos (planata de origem africana) que costuma ser servido acompanhado de acarajé ou abará; pedaços de carne, frango ou peixe; azeite de dendê e pimenta. O preparo com quiabos e dendê foi trazido para o Brasil pelos africanos escravizados, constituindo hoje um prato típico da culinária baiana, bem como uma comida do ritual de candomblé. O candomblé é uma religião original da região das atuais Nigéria e Benim, na qual sacerdotes e adeptos encenam, em cerimônias públicas e privadas, uma convivência com forças da natureza e ancestrais.
Karen Paiva
2A
Alana iniciou argumentando que a travessia negra de África para o Brasil, através do violento tráfico de seres humanos, veio intrinsicamente dos Orixás, hábitos, costumes, linguagem e cultura, e dessa forma, esse grupo constituiu elementos importantes para a formação do território brasileiro, o qual,
se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível. Ao se apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente (por exemplo, pela representação), o ator “territorializa” o espaço (RAFFESTIN, 1993, p. 143).
O quilombo foi um ator de territorialização e resistência negra, e não como a historiografia tradicional concebe os africanos escravizados como obedientes e completamente submetidos aos escravistas.
A aluna Talita revelou que apenas quando historiadores progressistas passaram a incorporar as percepções do movimento negro sobre a escravização e o quilombismo – com Clóvis Moura (1987) e Abdias Nascimento (1980), iniciou uma ressignificação política do termo quilombo referendado pela constituição de 1988 –, a partir desses acontecimentos surgiram novas interpretações da história da população negra.
Dessa forma, não podemos deixar de ver o quilombo como um elemento dinâmico de desgaste das relações escravistas. Não foi manifestação esporádica de pequenos grupos de escravos marginais, desprovidos de consciência social, mas um movimento que atuou no centro do sistema nacional, e permanentemente (MOURA, 1987, p. 31).
Nesse sentido, onde houve escravização, houve resistência. O quilombismo iniciado a partir da violência colonial de África, a partir do século XVI no Brasil até os dias atuais, trata da luta negra em suas diversas vertentes, sejam elas de resistência física, cultural, religiosa, política ou econômica:
O quilombismo se estruturava em formas associativas que tanto podiam estar localizadas no seio de florestas de difícil acesso, facilitando sua defesa e sua organização econômico-social própria, como também podiam assumir modelos de organizações permitidas ou toleradas, frequentemente com ostensivas finalidades religiosas (católicas), recreativas, beneficentes, esportivas, culturais ou de auxílio mútuo. Não importam as aparências e os objetivos declarados: fundamentalmente, todas elas preencheram uma importante função social para a comunidade negra, desempenhando um papel relevante em sua sustentação. Genuínos focos de resistência física e cultural. Objetivamente, essa rede de associações, irmandades, confrarias, clubes, grêmios, terreiros, centros, tendas, afoxés, escolas de samba e gafieiras foram e são os quilombos legalizados pela sociedade dominante; do outro lado da lei se erguem os quilombos revelados que conhecemos. Porém, tanto os permitidos quanto os “ilegais” foram uma unidade, uma única afirmação humana, étnica e cultural, a um tempo integrando uma prática de libertação e assumindo o comando da própria história. A esse complexo de sifnificações, a essa práxis afro-brasileira, eu denomino quilombismo (NASCIMENTO, 2000a, p. 203).
Voltando às apresentações, a aluna Noemy argumentou que foi com esse espírito de rebeldia os negros conquistaram a sua dignidade. Portanto, podemos assim identificar no conceito de quilombismo a compreensão da resistência dos africanos e afro-brasileiros escravizados durante os anos de colonização até nos dias atuais.
Sabemos que, o termo usado pelos povos de África da corrente linguística Bantu era mocambo, viver em acampamentos autossustentáveis. Quilombo foi um termo empregado pela Coroa Portuguesa. Essa referência foi retomada aqui no nosso país e identificado com a luta pela liberdade.
A aluna Emyli, definiu três conceitos de quilombo para o Movimento Negro. Primeiro, o quilombo histórico, relacionado às vilas e espaços de vivência negra, longe da cidade, era um refúgio e resistência ante ao sistema colonial escravista, como por exemplo o Quilombo dos Palmares: o quilombismo relacionado ao campo político e a representação simbólica negra – sobretudo a partir das obras de Abdias Nascimento (2002a) e Clóvis Moura (1987) – ressaltando a luta e as táticas e estratégias de resistência negra: e o quilombo de direito, que segundo o artigo 68 da Constituição Federal de 1988 em que documentos e sítios detentores de reminiscência históricas dos antigos quilombos, atestam sua existência histórica e legitimidade jurídica e de pertença cultural remanescente, como por exemplo a comunidade quilombola de Helvécia, distrito do município de Nova Viçosa, Sul da Bahia, reconhecida em 19 de abril de 2005.
Os quilombos estão relacionados a um movimento que se diferencia do centro, em uma perspectiva afrocentrada, de acordo com o Quilombismo de Abdias Nascimento (2002), outros grupos não negros podem participar dos Quilombos, desde que rompam com a perspectiva eurocêntrica. Para elucidar sobre o Quilombismo, a aluna Emyli destacou os seguintes princípios e propósitos:
O Estado Nacional Quilombista tem sua base numa sociedade livre, justa, igualitária e soberana. O igualitarismo democrático quilombista é compreendido no tocante a sexo, sociedade, religião, política, justiça, educação, cultura, condição racial, situação econômica, enfim, a todas as expressões da vida em sociedade. O mesmo igualitarismo se aplica a todos os níveis do poder e de instituições públicas e privadas. [...] A educação e o ensino em todos os graus – elementar, médio e superior – serão completamente gratuitos e abertos sem distinção a todos os membros da sociedade quilombista. A história da África, das culturas, das civilizações e das artes africanas terá lugar eminente nos currículos escolares. Criar uma Universidade Afro-brasileira é uma necessidade dentro do programa quilombista. [...] A revolução quilombista é fundamentalmente antirracisa, anticapitalista, anti-imperialista e anticolonialista (NASCIMENTO, 2002a, p. 214).
A aluna Roseana destacou alguns elementos culturais quilombistas no período colonial que serviam como estratégia de resistência, coletividade, integração, religiosidade e diversão. Entre os quais o Candomblé, era visto pela Igreja Católica como algo demoníaco que poderia gerar rebeldia coletiva, por isso era expressamente condenado e reprimido pela elite colonial. A capoeira também era reprimida porque os capitães do mato e os fazendeiros se sentiam ameaçados, pois grupos negros desmatavam uma área no interior da mata para praticar uma luta/dança/arte que os grupos coloniais não dominavam e não entendiam. Outras atividades como os canjerês, os caxambus, as macumbas e o jongo – todas expressões como candomblé, capoeira, festas ritmadas, dançantes e purificadoras ocorriam ao som dos tambores atabaques, pandeiros, agogôs e berimbaus.
Atualmente outros elementos culturais surgiram e integraram ao Quilombismo, como a poesia negra, grafite, música com elementos africano e afrodescendente, funk e hip-hop. Para finalizar a roda de conversa, argumentei que essas apresentações teóricas e culturais que o CECB estava vivenciando eram também Quilombistas, pois o quilombo político e cultural estava dentro da escola.
Estudante Larissa rememora atividades desenvolvidas no projeto da sala temática sobre Nelson Mandela.
Depois da compreensão de que o movimento educacional tinha o cunho de um aquilombar-se, um grupo formado pelos/as alunos/as Janyne, Nicole e Kaio foram cantar e tocar uma música intitulada Realista poesia/Odara. A letra foi escrita e cantada pela aluna Janyne, um hip/hop em que ela aborda o contexto de racismo e resistência negra no contexto da realidade brasileira. Já a aluna Nicole adaptou uma parte da música Odara de Caetano Veloso para ser o refrão, nesse movimento musical, Odara se tornou uma das faces de Exu, com movimento e energia. E o outro
componente do grupo, o aluno Kaio, fez uma melodia no violão para acompanhar as cantoras na música Realista Poesia/Odara.

Foto: Janine, Nicole e Kaio cantando e tocando Realista Poesia/Odara.
Fonte: Cauim Benfica (2019).
Depois das apresentações no “Projeto Pedagógico Axé Odara” no CECB, esse movimento musical apresentou-se também no Novembro Negro do IFBA/Porto Seguro, intitulado de “Empreter-Ser”, e na “VarandAfro” da UFSB/CSC. Mais uma vez, o “Projeto Pedagógico Axé Odara” transgredeu os muros do CECB, e fez apresentações em outros espaços educativos, levando a mensagem do seu Quilombo político e cultural.
Racismo e Sexismo no Brasil
Após a apresentação da dança “As lavadeiras de Oxum”, seguiu-se a comunidade de aprendizagem mediada por alunas do 2º ano, cujo tema era “Quilombo e Quilombismo”.
As turmas do 1º, 2º e 3º ano do Ensino Médio participarão de uma roda de conversa sobre Racismo e Sexismo no Brasil, mediada por 2 alunas do 3º ano A. Para encerrar a roda de conversa uma aluna do 2º ano B recitará a poesia Eu-mulher de Conceição Evaristo. A atividade ocorrerá das 9h10min até às 10h, terceira aula. Recursos utilizados: Espaço do auditório do Centro de Cultura de Porto Seguro, microfone, notebook, caixa amplificada e projetor de imagem. Espera-se que as/os educandas/os compreendam o processo de luta e resistência da mulher negra, e também sejam engajados em práticas antirracistas e antissexistas.
13 nov 2019

Foto: Comunidade de aprendizagem sobre Racismo e Sexismo no Brasil.
Fonte: Cauim Benfica (2019).
A aluna Fernanda iniciou comentando que “Racismo e Sexismo no Brasil” está relacionado ao mito da democracia racial, pois o racismo é a doença que caracteriza a “neurose cultural brasileira” e o sexismo piora os efeitos, pois a mulher negra é tratada como mulata do carnaval, doméstica e mãe preta, numa lógica de dominação que coloca a negra no mais baixo nível da sociedade brasileira pelo fato de ser infantilizada, ou seja, não é ela que fala de si, mas sim a branquitude supostamente dominante.
Em seguida, a aluna Tainá discorreu que em época de festa, como no carnaval, a mulher negra se transforma na rainha em sua máxima exaltação. Porém isso muda drasticamente no cotidiano dessa mulher e ela se transfigura na empregada doméstica ou simplesmente mulata. O surgimento da mulata e da doméstica se faz a partir da figura de mucama (escrava escolhida para realizar os serviços domésticos, cuidar de crianças alheias, entre outros favores). A única vez em que a mulher negra não é retratada dessa forma no cotidiano é na “figura boa da ama negra”, “ama de leite” ou da “mãe preta”, cheia de bondade e ternura. Em virtude disso, observa-se o equívoco desse retrato da negra, que é passado através da raça dominante, pois ela não é esse exemplo de amor e dedicação e nem essa entreguista e traidora da raça, ela, simplesmente, é a mãe. E em muitas situações está nessa condição por um contexto escravocrata e econômico. Mas, a “mãe preta” influenciou para que o Brasil fosse mais africanizado.
Após explanações, diversas alunas citaram acontecimentos em que foram desrespeitadas. Em seguida houve o debate sobre desnaturalizar o assédio. Ressaltou-se a necessidade de fazer a denúncia, buscar as medidas protetivas para as vítimas e recorrer aos órgãos públicos para a assistência psicológica. E para encerrar essa roda de conversas a aluna Lorraiane recitou a poesia de Conceição Evaristo, intitulada Eu-mulher
NECROPOLÍTICA
Na apresentação da última comunidade de aprendizagem no dia 13/11/2019, as/os alunas/os do 3º ano B, abordaram a questão da “Necropolítica”. Utilizaram como referencial teórico o filósofo que cunhou o constructo teórico Necropolítica, o camaronês Achille Mbembe (2016).
As turmas do 1º, 2º e 3º ano do Ensino Médio participarão de uma roda de conversa sobre Necropolítica, mediada por 7 alunas/os do 3º ano B. Para encerrar a roda de conversa Luiz Felipe e João Victor tocarão a música Negro com coragem composta por Luiz Felipe. A atividade ocorrerá das 10h20min às 12h, nas duas últimas aulas. Recursos utilizados: Espaço do auditório do Centro de Cultura de Porto Seguro, microfone, notebook, caixa amplificada e projetor de imagem. Espera-se que as/os educandas/os compreendam o processo de luta e resistência das/os negras/os na sociedade brasileira, e os efeitos da Necropolítica.
13 nov 2019

Filósofo, teórico político, historiador, intelectual e professor universitário camaronês Achille Mbembe
Foto: Comunidade de aprendizagem sobre Racismo e Sexismo no Brasil.
Fonte: Cauim Benfica (2019).
A aluna Fernanda iniciou comentando que “Racismo e Sexismo no Brasil” está relacionado ao mito da democracia racial, pois o racismo é a doença que caracteriza a “neurose cultural brasileira” e o sexismo piora os efeitos, pois a mulher negra é tratada como mulata do carnaval, doméstica e mãe preta, numa lógica de dominação que coloca a negra no mais baixo nível da sociedade brasileira pelo fato de ser infantilizada, ou seja, não é ela que fala de si, mas sim a branquitude supostamente dominante.
Em seguida, a aluna Tainá discorreu que em época de festa, como no carnaval, a mulher negra se transforma na rainha em sua máxima exaltação. Porém isso muda drasticamente no cotidiano dessa mulher e ela se transfigura na empregada doméstica ou simplesmente mulata. O surgimento da mulata e da doméstica se faz a partir da figura de mucama (escrava escolhida para realizar os serviços domésticos, cuidar de crianças alheias, entre outros favores). A única vez em que a mulher negra não é retratada dessa forma no cotidiano é na “figura boa da ama negra”, “ama de leite” ou da “mãe preta”, cheia de bondade e ternura. Em virtude disso, observa-se o equívoco desse retrato da negra, que é passado através da raça dominante, pois ela não é esse exemplo de amor e dedicação e nem essa entreguista e traidora da raça, ela, simplesmente, é a mãe. E em muitas situações está nessa condição por um contexto escravocrata e econômico. Mas, a “mãe preta” influenciou para que o Brasil fosse mais africanizado.
Após explanações, diversas alunas citaram acontecimentos em que foram desrespeitadas. Em seguida houve o debate sobre desnaturalizar o assédio. Ressaltou-se a necessidade de fazer a denúncia, buscar as medidas protetivas para as vítimas e recorrer aos órgãos públicos para a assistência psicológica. E para encerrar essa roda de conversas a aluna Lorraiane recitou a poesia de Conceição Evaristo, intitulada Eu-mulher.
Em seguida o aluno Rodrigo expôs a conjuntura do processo colonial escravocrata, afirmando que esse período ocorreu o maior crime humanitário de que se tem notícia, os europeus massacraram negros e indígenas. Nesse contexto, o escravizado tem um preço por ser considerado apenas um instrumento de trabalho, mas também tem seu valor por ser considerado em algumas situações como propriedade, ou seja, em ambas as formas o escravizado acaba sendo uma máquina para o trabalho, e sendo uma máquina, quando fica desgastada ou velha pode ser descartada.
O escravizado é mantido vivo em um mundo de “horrores” e crueldades, o sentido de suas vidas é manifestado apenas pela disposição do seu supervisor, o que na maioria das vezes se comporta de maneira incontrolada e cruel. Por esses motivos, ao longo do tempo o escravizado acaba desenvolvendo diversos pensamentos e dúvidas sobre o seu trabalho e até mesmo sobre si próprio, pois na maioria das vezes eles são considerados como se existissem apenas para ser uma ferramenta de trabalho.
O aluno João explanou sobre os dois princípios-chave para essa ordem. O primeiro refere-se à igualdade judicial de todos os Estados, sendo aplicada principalmente ao “direito de guerra” para negociar a paz entre os Estados. Assim, nenhum Estado poderia fazer reivindicações além de suas fronteiras, não poderia reconhecer nenhuma autoridade superior à sua. Para que isso acontecesse o Estado teria que impor modos de matar e atribuir os objetivos racionais ao ato. O segundo princípio foi relacionado a territorialização do Estado Soberano, determinando suas fronteiras, formando uma distinção, colocando assim, partes do mundo disponíveis a apropriação Colonial e a Europa.
A aluna Luciana abordou que esse contexto racista do colonialismo, que marca uma relação hierárquica entre povos e tem um determinado tempo histórico, formou a sociedade atual brasileira, em que a morte dos mais pobres é uma política de Estado, haja vista o assassinato dos defensores dos direitos humanos.
Ainda em termos de necropolítica, é válido destacar ações do governo Bolsonaro, tais como discursos favoráveis a utilização de terras indígenas para uso do agronegócio e das grandes corporações de mineração; a retirada de radares de limite de velocidade nas estradas federais; o apoio da ocupação do exército nas favelas do Rio de Janeiro; não criminalizou representantes da força de segurança nacional que assassinaram homens negros, mulheres negras e crianças negras da favela. Todas essas ações são uma política de morte, ou seja, Necropolítica.
E para encerrar as atividades, os alunos Luiz Felipe do 3º ano A e João Victor do 3º ano B, cantaram e tocaram a música “Negro com coragem”, cuja foi escrita por Luiz Felipe, abordando acontecimentos que marcaram a sua vida, como o racismo, preconceito social, cultura e a resistência negra. Faz uma reflexão sobre o modo que parte da sociedade brasileira desvaloriza e marca as pessoas negras, naturalizando estereótipos pejorativos, como se o corpo negro e periférico fosse abjeto.
Ressalto que para perceber o sentido pedagógico de um quilombo é importante vivenciar a comunidade ou ler minuciosamente teses que versam sobre esse lugar. Por exemplo, em “Vozes e versos quilombolas uma poética identitária e de resistência em Helvécia”, (Santana, 2014), destaca-se que os cantos-poemas e as danças ritmadas pelos tambores, são elementos constituintes da realidade histórica, social, cultural e religiosa da comunidade quilombola de Helvécia, Nova Viçosa, Bahia. Ora, esses elementos adquirem e revelam sentidos e, ao entrelaçar passado e presente, ligam os sinais de experiências passadas de componente a componente da comunidade, pois revelam fissuras das experiências partilhadas pelo quilombo, tal que, “em Helvécia, e em muitas comunidades quilombolas, a arte de cantar e contar histórias, recantá-las e reconta-las, é fio que tece memórias e experiências de vida (SANTANA, 2014, p. 170)”.
De fio em fio, de conta em conta, de conto em conto, a “Comunidade Pedagógica Decolonial de Aquilombamento” promovida pelo projeto em tela, busca entrecruzar diversos elementos culturais. Entre eles, canto, música, dança, religiosidade e rodas de conversas, com vistas a promover uma educação antirracista. Busca desmontar os mitos passados às classes oprimidas por meio de uma forma de educação à qual Freire chama de “bancária”. Nela não há um processo dialógico no qual são questionados ou problematizados determinados temas, como: o mito de que a ordem opressora é a ordem da liberdade; o mito de que todos, bastando não ser preguiçosos, podem chegar a ser empresários; o mito do direito de todos à educação; o mito da igualdade de classe; o mito do heroísmo das classes opressoras; o mito da caridade; o mito de que as elites dominadoras, são as promotoras do povo; o mito da propriedade privada; o mito da operosidade dos opressores e o da preguiça e desonestidade dos oprimidos; o mito da inferioridade ‘ontológica” dos oprimidos (FREIRE, 2005).
A mitologia eurocêntrica possibilita a “colonização do ser”. Para lidar com os problemas inculcados nas subjetividades pela colonização do ser, a saber: revolução; objetivação da mitologia opressora; deslocamento do lugar de fala; e valorização do pensamento fronteiriço. Essa educação dessubjetivadora pressupõe o diálogo como fundamental ao processo pedagógico. Diálogo entre educador e educando, no qual o último possa agir como sujeito questionador e não apenas como “coisa” passiva em que se deposita conteúdo.
Se o projeto pedagógico freireano nos convida à formação de uma percepção crítica da realidade opressora e a problematização de temas antes não questionados e de situações e condições antes assimiladas como naturais: “a análise crítica de uma dimensão significativa existencial possibilita aos indivíduos, novas posturas, também crítica, em face das situações-limites”(FREIRE, 2005, p. 112). Logo, o projeto em tela busca desde logo, a problematização de categorias e esquemas de interpretação subjacentes ao eurocentrismo, notadamente através da explicação dos mitos que o constroem, como forma de produzir um conhecimento menos colonizado e excludente.
Sugestão de bibliografia complementar
para professoras e professores que se interessem em desenvolver projetos similares em suas escolas
GREINER, C. O corpo: pistas para estudos indisciplinares. São Paulo: Annablume, 2005.
RUFINO, L. Pedagogia das Encruzilhadas. São Paulo: Mórula Editorial, 2019.
SAEZ, J. Pelo cu: políticas anais. Belo Horizonte, MG: Letramento, 2016.